JOSÉ GUIMARÃES (1948 – 1968)

julho 29, 2011

JOSÉ GUIMARÃES (1948 – 1968)
Filiação: Magdalena Topolovsk e Alberto Carlos Barbeto Guimarães
Data e local de nascimento: 04/06/1948, São Paulo (SP)
Organização política ou atividade: Movimento Estudantil
Data e local da morte: 03/10/1968, São Paulo (SP)
O estudante secundarista José Guimarães foi morto em São Paulo, aos 20 anos, no dia 03/10/1968, por membros do chamado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e do DOPS/SP, no conflito entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia, perto do Colégio Marina Cintra, onde estudava. Nesse dia, membros do CCC e do DOPS deflagraram um conflito entre estudantes das duas universidades.
José Guimarães foi assassinado, conforme testemunho de outros estudantes, pelo integrante do CCC e informante policial Osni Ricardo. Os legistas Armando Canger Rodrigues e Irany Novah Moraes assinaram o laudo necroscópico e definiram como causa mortis, “lesão crânioencefálica traumática”. Entre os policiais instigadores do conflito foram reconhecidos Raul Nogueira de Lima, o Raul Careca, do DOPS e Octávio Gonçalves Moreira Junior, que seria morto em 1973 como agente do DOI-CODI de São Paulo. No processo formado na CEMDP, consta declaração assinada por José Dirceu de Oliveira e Silva, presidente da União Estadual dos Estudantes paulistas naquela época, afirmando que participou ativamente da manifestação no dia 03/10/1968, quando José foi assassinado. O primeiro processo que tramitou na CEMDP foi rejeitado, depois de um pedido de vistas, por não ter ficado comprovado, à época, que José Guimarães morreu em dependências policiais ou assemelhadas.
O segundo requerimento foi analisado sob a Lei nº 10.875/04, que reconheceu as mortes em manifestações públicas e por suicídio. Os autos não deixaram margem a dúvidas. A vítima morreu em virtude de violência policial com motivação política. O relator considerou, no voto aprovado, que “sua morte foi conseqüência de um conflito de rua à época dos fatos apurados. E à luz da Lei nº 10.875 de 1º/6/2004, que hoje vigora sobre a matéria, é o quanto basta para julgar procedente o presente pedido”.

JOSÉ CARLOS GUIMARÃES
Nasceu em São Paulo, filho de Alberto Carlos Barreto Guimarães e Magdalena Topolovisk.
Estudante secundarista do Colégio Marina Cintra, em São Paulo.
Morto aos 20 anos, no dia 3 de outubro de 1968, por membros do chamado CCC e DEOPS paulista, no conflito entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na rua Maria Antônia.
Nesse dia, membros do CCC e do DEOPS deflagraram um conflito entre os estudantes das duas universidades. José Carlos foi morto, segundo os estudantes que testemunharam o fato, pelo membro do CCC e alcagüete policial de nome Osni Ricardo.
Entre os policiais instigadores do conflito, foram reconhecidos Raul Nogueira de Lima, vulgo Raul Careca, torturador do DOI/CODI-SP e Otávio Gonçalves Moreira Jr., vulgo Otavinho, torturador daquele departamento militar-policial. José Carlos foi enterrado no Cemitério da Lapa por seus familiares.

A Batalha da Maria Antônia

A Universidade do Mackenzie, em São Paulo, sempre abrigou a elite conservadora paulistana em suas salas de aula. Enquanto a maioria do movimento estudantil era composta por militantes de esquerda com tendências claramente comunistas, os estudantes do Mackenzie declaravam-se direitistas e defensores do golpe militar de 1964. Na época do golpe, o CCC, composto por estudantes vindos daquela universidade, foram os que perseguiram tenazmente os líderes da UNE. No Rio de Janeiro, membros do CCC teriam incendiado a sede da UNE em 1964. Em 1968 os integrantes do CCC iniciaram uma verdadeira perseguição aos atores e representantes da cultura que parcamente, avaliavam como subversivos e ofensivos aos costumes e à moral vigente. Um dos atos mais radicais que membros do CCC praticaram foi o espancamento dos atores da peça “Roda Viva”.
Em 1968 o prédio da Universidade do Mackenzie era vizinho da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que ficava na Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo. Se o Mackenzie era reduto do CCC, da FAC (Frente Anticomunista) e do MAC (Movimento Anticomunista), e de outros estudantes de direita, a Filosofia da USP era reduto da esquerda, abrigando a sede da clandestina União Estadual de Estudantes (UEE) e a proscrita UNE.
No dia 2 de outubro os estudantes da Filosofia promovem um pedágio na Rua Maria Antônia para angariar fundos para o Congresso da UNE, a realizar-se clandestinamente dentro de alguns dias. Ao assistirem o ato, os estudantes do Mackenzie, em tom provocatório, começou a atirar ovos nos colegas da Filosofia. Iniciou-se um tumulto e ofensas de ambas as partes, com grupos defrontando-se de forma ameaçadora. Para pôr fim ao tumulto, a reitora do Mackenzie Esther Figueiredo Ferraz, chama uma tropa de choque, alegando que pretendia proteger o prédio da universidade de uma possível depredação.
No dia seguinte, 3 de outubro, a animosidade entre os estudantes vizinhos continuou. Faixas da Filosofia foram arrancadas pelos estudantes do Mackenzie. Começam a explodir rojões, vidraças são quebradas. Uma batalha armada de pedras, paus e tijolos é iniciada, prosseguindo com bombas e tiros. Armados de metralhadoras, um esquema de guardas protege o Mackenzie. À frente dos estudantes da Filosofia estão o presidente e vice-presidente da UNE, Luís Travassos e Edson Soares respectivamente, e o presidente da UEE de São Paulo, José Dirceu.
No meio do tumulto, centenas de pessoas aglomeram-se na Rua Maria Antônia, um policial tenta conter a agitação, disparando tiros para o ar, enquanto que um aluno da Filosofia tenta tomar-lhe a arma. Trocas de coquetéis Molotov voam entre os estudantes rivais, incendiando as paredes da Filosofia. Um estudante do Mackenzie é ferido por um rojão, ele é socorrido por uma ambulância. Os confrontos tornam-se acirrados. Bombeiros são chamados para combater focos de incêndio. O estudante secundarista José Carlos Guimarães, que ao ir a uma livraria da região resolvera ajudar os estudantes da USP, é baleado na cabeça, segundo algumas testemunhas, pelo atirador Osni Ricardo, membro do CCC e informante da polícia. José Carlos é carregado pelos colegas, mas morre a caminho do hospital.
Após a morte de José Carlos, José Dirceu faz um discurso relâmpago, incitando os colegas a uma passeata de protesto pelas ruas de São Paulo. 800 pessoas saem em passeata. Pelo caminho incendeiam carros da polícia. São dispersos pelos soldados na Praça das Bandeiras.
Ao fim do confronto, que passou para a história como a “Batalha da Maria Antônia”, o saldo era desolador e trágico: um morto, três estudantes baleados e dezenas ficaram feridos. À noite o teto do prédio da Filosofia ruiu. A faculdade passaria a funcionar em barracões do campus. O incidente precipitou a transferência da faculdade para o atual campus Armando de Salles Oliveira, no Butantã. O prédio incendiado foi restaurado, nos tempos atuais abriga o Centro Universitário Maria Antônia, um espaço cultural.

domingo, 11 de maio de 2008
Os movimentos divididos e as ilusões mescladas

José Carlos Guimarães morto com um tiro na cabeça na rua Maria Antônia em 1968

Apenas alguns dias depois do golpe militar de 31 de março de 1964, li na porta do banheiro masculino que ficava no fim do primeiro lanço de escada da Faculdade de Filosofia, na rua Maria Antônia, esta ponderação: “Em terra de cego, quem tem um olho emigra.” Em 1968, os estudantes tomariam o prédio da Faculdade. Acabariam sendo atacados por grupos direitistas organizados, da Universidade Mackenzie, o prédio incendiado com coquetéis molotov e todos seríamos deportados para a Cidade Universitária. Em 1977 teríamos nossas acomodações definitivas numa construção de melancólicas paredes brancas. Logo nos primeiros dias, um estudante grafitou com enormes letras vermelhas, manuscritas, num dos corredores de acesso às salas de aula: “Parede, eu te livro dessa brancura!”

É nesse desencontrado imaginário de ceticismo, esperança e ímpeto libertador que se pode compreender 1968 aqui nos trópicos. O maio de 68 francês era outra coisa. O que aqui aconteceu pouco tem a ver com o que aconteceu na França. Lá os estudantes arrebataram a bandeira da luta de classes das mãos da classe operária, uma circulação de elites nas lutas sociais. Aqui as ilusões se mesclaram. Aqui era a classe média alcançada pelo arrocho salarial da ditadura que alimentara esperanças de ascensão social por meio da Universidade e experimentara a luta dos excedentes no começo daquele ano, os aprovados para os quais a Universidade não tinha vagas. Os banidos da esperança, os sem futuro, agarravam-se às asas do último avião.

O movimento estudantil estava dividido e as esquerdas dividiam-se mais ainda. Tinham uma concepção do processo que vivíamos norteada pelo marco de realidades muito diferentes da nossa. Os estudantes tentavam encaixar-se na luta de classes, embora fossem de uma classe que não luta nem tem contra o que lutar, a classe média, uma classe híbrida e da ordem. Reivindica em nome de interesses, mas não tem como lutar contra estruturas sociais sem negar-se e anular-se.

Os acontecimentos de 1968, na rua Maria Antônia, longe de terem sido expressão de convergência de idéias e de propósitos e de um grande encontro político, foram expressão de divisão, de falta de clareza quanto ao que acontecia no Brasil. As fantasias juvenis da Maria Antônia, libertárias e belas, não davam conta nem mesmo do que estava em andamento lá dentro do prédio. Os estudantes atacaram a Universidade imaginando que por esse meio atacavam a ditadura e, em conseqüência, atacavam o capitalismo. Queriam uma revolução social com o que era apenas um vago projeto de reforma política da Universidade. Atacaram a instituição como se fosse um remanescente da sociedade feudal e demoliram justamente um dos últimos poderes de afirmação da liberdade de pensamento e de criação no contexto de um regime ditatorial.

Depois de anos de disputa política com os comunistas, a direção do movimento estudantil estava nas mãos da Ação Popular, dissidência da Juventude Universitária Católica. Os estudantes sussurravam no saguão da Faculdade informações sobre um levante próximo da classe operária nas fábricas de Osasco. De fato, a greve teve início em 16 de julho e expandiu-se para várias indústrias. A Cobrasma foi ocupada. De comum entre o sindicalismo de Osasco e a liderança dos ocupantes da Faculdade de Filosofia a forte presença da Ação Católica, em oposição ao Partido Comunista e outras organizações de esquerda, que só se aproximariam em meados dos anos setenta.

O ministro do Trabalho, coronel Passarinho, voou para Osasco, decretou intervenção no Sindicato, pôs o Exército nas ruas e nas fábricas, prendeu gente. A greve operária durou três dias. A aliança operário-estudantil terminava ali. A ocupação da Faculdade de Filosofia terminou em outubro, as aulas transferidas para a Cidade Universitária. Pouco depois, em abril de 1969, professores seriam aposentados compulsoriamente, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Do movimento estudantil, muitos iriam para a prisão e o exílio, outros para a luta armada e a morte.

Ao contrário do que aconteceu na França de maio de 1968, aqui pouco sobrou das lutas da Maria Antônia. A repressão ao movimento enfraqueceu a Universidade, privou-a de docentes de renome, abriu caminho para uma reforma universitária de cima para baixo. Mesmo assim, no caso da USP, levou à desagregação da Faculdade de Filosofia e à formação dos Institutos, fortalecendo várias áreas científicas. Antigos valores sociais se tornaram subitamente anacrônicos. Novos valores surgiram. A experiência do confronto e da impotência ante as imensas e invisíveis forças da ordem tornou obsoletas concepções relativas à interdição da atividade política à mulher, quebrou tabus, abriu caminhos. Mostrou, sobretudo, a dominância do cotidiano no processo político. Os jovens da Maria Antônia insurgiram-se contra a vida cotidiana em nome da História. O cotidiano os derrotou, demoliu as inconciliáveis utopias do futuro longínquo, gerou um novo e atualizado conformismo social, amansou corações e mentes, sepultou os mortos. Legou-lhes a imensa parede branca do vazio para que nela grafitassem o vermelho da liberdade.

José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP

O Estado de S. Paulo [Caderno Cultura], domingo, 11 de maio de 2008, p. D7.

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